terça-feira, 9 de dezembro de 2008

100 anos de Lévi - Strauss


Foi ótimo visitar o blog http://ultimamoda.folha.blog.uol.com.br/ , indicado por uma querida amiga jornalista. Lá me deparei com textos de ótima qualidade sobre moda. Abordagens interessantes e conteúdos variados difíceis de achar por aí. Normalmente encontro muita afetação e pouca opinião.


Estava há um tempo atrás a fim de escrever algo sobre Levi Strauss, pegando carona na celebração de seu centenário vivo. Então, me deparei com um post de Alcino Leite Neto da Folha. Ele transcreveu trechos de Tristes Tópicos. Já que estão tão bem transcritos, reproduzo-os abaixo, por pura preguiça de abrir o livro (vale dizer que isso não é caracterista de antropólogo, mas ultimamente tenho aberto mais as Vogues do que os Clássicos...rs)



... fala do luxo dos Bororo _a indumentária e os acessórios:
"Contrastando com a austeridade dos objetos utilitários, os Bororo colocam todo o seu luxo e a sua imaginação na indumentária, ou pelo menos _já que esta é das mais sumárias_ nos acessórios. As mulheres possuem verdadeiras caixas de jóias, que transmitem de mãe para filha: são paramentos de dentes de macaco ou de presas de onça incrustrados em madeira e presos por finas ligaduras. Se elas reivindicam dessa maneira os despojos da caça, prestam-se à depilação de suas próprias têmporas pelos homens que, com os cabelos de suas mulheres, confeccionam longas cordinhas trançadas que enrolam na cabeça como um turbante. Os homens também usam, nos dias de festa, pingentes em forma de mei-lua, feitos de um par de unhas o grande tatu (...), embelezados com incrustrações de madrepérola, franjas de plumas ou de algodão. (...)
Um pedaço de casca de árvore, algumas penas fornecem aos incansáveis modistas pretexto para uma sensacional criação de brincos-pingentes. Há que se entrar na casa-dos-homens para avaliar a atividade despendida por esses robustos rapazes em se embelezar: em todos os cantos, corta-se, modela-se, cinzela-se, cola-se; as conchas do rio são quebradas em cacos e polidas em mós de maneira vigorosa para se fazerem colares e tembetás; fantásticas construções de bambu e de plumas são montadas. Com uma aplicação de costureira, os homens de físico de carregadores transformam-se mutuamente em pintinhos, graças à lanugem colada direto na pele" ("Tristes Trópicos", págs. 212-212, Companhia das Letras).



Bom, isso foi suficiente para dizer que o luxo não é uma invenção do capitalismo, nem mesmo prerrogativa das aristocracias e elites burgueses. Mesmo que todos nós já soubessemos disso... sempre encontro por aí pessoas que interpretam o luxo como o mal da humanidade, correspondente a uma sociedade materialista, individualista, burguesa e capitalista e por ai vai...


Todas as sociedade possuem uma cultura material riquíssima. Os significados e os usos ultrapassam a nossa capacidade imaginativa de senso comum. Muita etnografia é preciso para compreender os significados dos sistema de objetos de cada sociedade. A cada passo que se dá no sentido de compreender o sisgnificado do uso ou consumo de um objeto, afasta-se da idéia do mero culto ao objeto, aproximando-se a um amplo sistema no qual os objetos atendem as necessidades das relações sociais estabelecidas naquele contexto cultural


Mais precisamento no caso da indumentária, além das relações sociais onde estão inseridas , pode-se observar a relação dos objetos com o próprio corpo, tendo em vista a necessidade de enfeitá-lo, ou em outra compreensão, a permanente necessidade de escondê-lo, não por simples pudor, mas por não gostarmos de sua aparência natural, nua e crua.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

" A moda expressa algo que o corpo não pode expressar".
Filósofo espanhol Alfredo Cruz

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Roupa para pensar...


Outro dia li que a moda só existe em função dela mesma. Que não era possível pensar a moda pela paz, a moda pelo meio-ambiente, etc.
Mas como a sustentabilidade está na moda é possível sim uma moda pela sustentabilidade, principalmente em tempos de crise econômica/financeira mundial.

Hoje, até quem dita o funcionamento da economia global percebe que realmente é preciso rever o atual modelo de desenvolvimento econômico (algo que os movimentos sociais, ongs, intelectuais, ambientalistas já apontavam há pelo menos três décadas).

Sustentabilidade se tornou a palavra do momento e seu significado pode ser tomado de várias conotações de acordo com o contexto. Quando usado no campo da moda, pode significar uma crítica ao consumismo exacerbado, ao efêmero desenfreiado das tendências, à curta vida das roupas e ao seu descarte, ou mesmo ao uso de tecnologias menos agressivas ao meio-ambiente.

Se eu hoje tivesse meu atelier a pleno vapor invistiria em em uma proposta como da turma do by Mutation http://bymutation.com/. Eles/elas fazem roupas lindas e criativas com os restos da indústria de confecção, com roupas compradas em bazares e brechós, doações de amigos e por ai vai... A matéria-prima é aquilo que iria para o lixo. Também não abrem mão de uma perspectiva social. A mão-de-obra empregada vem de cooperativas praticamente incubadas por eles ou por elas mesmas. Trocam serviços por aulas de costura e modelagem. Fazem peças únicas com materiais únicos e modelagem única. Muito Legal!!!

Esse é um exemplo, mas tem muita coisa interessante rolando por ai. Algodões orgânicos, tecidos com tingimento natural... tudo para diminuir os resíduos químicos e tóxicos da indústria têxtil.

Quem compra??!! Possivelmente pessoas com maior poder aquisitivo e instruídas.
Sabe-se que ainda não é algo acessível e disponível a todos. Mas, existe um forte "nicho de mercado" ávido por esses produtos de marcas ultra-conceituais. Consumidores que querem comprar sem culpa e não querem comprar muito, mas se quiserem qual o problema??! Está aí um paradoxo do consumo consciente.
Ponto para a moda.

Foto: divulgação site by Mutation

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Suas roupas vestem bem?


Pergunto isso, pois a maioria das minhas roupas não veste, portanto, não as visto. Conclusão: não uso muitas roupas que tenho no armário. Das calças jeans aos vestidos, passando por saias e blusinhas. Mas porquê?!!! Por que a roupa do dia-a-dia sempre fica um pouco "tortinha"?!! Quando falo em roupa do dia-a-dia me refiro sempre a roupas consideradas "básicas" e de custo mais baixo. No onda do hi-lo, as roupas a que me refiro são as low prices e não as high prices, claro.

Há algum tempo atrás achava que o problema era o meu corpo. Não cheguei ao complexo, preferi relativizar. De uma maneira geral, observo que a roupa do dia-a-dia da brasileira que trabalha fora não veste bem. Por todo lado vejo blusas que não cobrem a barriga, mangas que não são confortáveis aos braços, calças com gavião torto, cofrinhos de fora, botões que ao aboatoarem deixam uma brecha na altura dos seios, saias fora do eixo da cintura/quadril ao se caminhar... e por aí vai. Isso sem falar nos estilos brasileiros não raros adotados para mostrar o corpo.

Quando fui à França fiquei chocada com a elegância natural das mulheres e homens. As roupas caiam perfeitamente bem em seus corpos. Dos bairros mais sofisticados de Paris aos de periferia, onde ficam os mercados das pulgas, passando pelo o interior do país, observei a existência de uma democracia do bom corte, do bom caimento e um gosto cultural dos franceses por isso. O design francês da alta-costura é normalmente caracterizado pela pureza da silhueta associada à complexidade do corte: o caimento que acompanha o contorno do corpo, com um quê de arredondado, pode ser observado por toda parte e isso independe do estilo da roupa que se usa.

Qual o real segredo do bom corte, do bom caimento, para além do gosto ou de um senso estético apurado que coordena bem os princípios e elementos do design como silhueta, linha, proporção, ritmo, equilibrio, harmonia, constraste...? Para mim a resposta é a matemática.

Em minhas andanças no último 1 ano e meio por cursos e ateliês que ensinam modelagem, corte e costura, aprendi que a responsável pelo bom corte é a modelagem. Esta é feita pela modelista que calcula, calcula, esquadra, compassa, mede, ajusta, soma, divide, subtrai, multiplica... Então, me arrisco a dizer que se modelagem é matemática pura e se os franceses são puramente cartesianos, sistemáticos e metódicos, o resultado não seria outro, senão uma modelagem impecável.

Quanto a nós... Bem, acho que de uma maneira geral não temos tanta afinidade com a matemática. Converso sempre que posso com costureiras que fazem moldes e a maioria os fazem de forma intuitiva. "É na fita métrica e no olho," dizem elas. Por vezes rejeitam até mesmo o uso de ferramentas de mensuração, pois aprenderam a modelar, cortar e costurar sem esses aparatos. Nos cursos que faço, vejo muitas meninas que não sabem usar a máquina de calcular e demonstram muita dificuldade com os esquadros.

Culturamente, parece que por aqui a matemática é um campo masculino. As mulheres não são estimuladas desde pequenas para a matemática e portanto, expressam mais dificuldade com essa ciência do que os homens. Isso não siginifica que temos menos capacidade, mas que essa capacidade não é usualmente desenvolvida.

Porém, somos muito criativas e encontramos sempre soluções ótimas na relação custo-beneficio. Por isso, as confecções e grifes de norte a sul do país descobriram e elegeram a viscolycra como solução para o nosso problema de caimento das roupas. Agora tudo é de viscolycra, viscoelastano, visco-seda-elastano-lycra, etc. As roupas desse material são fáceis de cortar e costurar e sempre dão um bom caimento, por mais simples ou "tosco" que seja seu corte.

Para pessoas como eu que não usam viscolycra nem sob tortura e adoram roupas de algodão, linho, poppeline e tricolline, é melhor correr para o curso de modelagem e se preparar para enfrentar a matemática. Tudo isso, como boas brasileiras, sem deixar de lado nossa intuição criativa!






quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Aos cientistas sociais...


“O efêmero incomoda, pois queremos coisas que durem, sólidas”. Mas, as coisas não duram e nos demos conta disso, o próprio conceito do luxo deixa de ser localizado pela posse de objetos (ostentação) e passa a ser cada vez mais um “luxo experencial”. O luxo do turismo cultural, de passear pelo jardim de Versalles, o luxo da degustação de vinhos e temperos. Um luxo que promove "uma experiência de eternidade com o tempo”. GILLES LIPOVETSKY (filósofo francês)
Ilustras: Victoria Ball e Petra DufKova

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O Rio é mesmo Fashion?


Nessa inauguração escolhi um assunto que está na boca do povo da moda. Pelo menos estava até ontem a noite, quando pensei em escrever. Depois da agitada semana de moda "Claro Rio Summer Fashion", ficou a dúvida: Será que o Rio é mesmo Fashion com letra maiúscula?

Não que isso seja fundamental para mim, mas para o setor da moda brasileira é, e muito. Com potencial, a moda brasileira ainda não conseguiu alcançar o mercado internacional globalizado que gera bilhões e bilhões para os países membros desse circuito. Para piorar a situação brasileira, o Rio de Janeiro sempre tão cheio de "bossa" (expressão hoje muito utilizada pelo povo da moda) está perdendo seu posto para São Paulo, que tem hoje a melhor semana de moda.
Um indicador disso é a preferência de algumas grifes cariocas em desfilar no SP Fashion Week, alengando o maior número de clientes, contatos internacionais e, portanto, retorno financeiro. Realmente, São Paulo oferrece as melhores oportunidades para quem faz moda no Brasil. Em São Paulo estão o potencial produtivo e de criação. Um grande número de Universidades formam centenas de profissionais para todos os setores da moda e essa mão-de-obra é absorvida por lá mesmo.

Voltando ao Rio e ao evento, observei alguns sinais para responder a minha pergunta. Primeiro, achei curiosa a forma como a moda foi tratada como negócio nesse evento. Geralmente a imprensa trata a moda como fantasia, como um tema de comportamento da sociedade, mas não mostra o lado industrial. O Rio Summer foi, como dizem, "sexo explícito" se comparado com as semanas de moda de Rio e São Paulo. Quem estava lá sabe que só haviam estrangeiros, a língua oficial era o inglês e o interesse central girava em torno de preocupações com o mercado internacional.

Outra observação é sobre os clichês normalmente relacionados ao lifestyle carioca. Mas se não havia cariocas entre os participantes, o que houve foi a reprodução desse lifestyle, como mercadoria, sem nenhum pudor. Os convidados, todos grandes nomes internacionais, pareciam mais contratados do que convidados. Dessa forma, tudo foi parecendo muito artificial, muito produzido e fake, o oposto do tal lifestyle carioca, "cool, despojado e informal". Então, se o "Fashion" do Rio reflete essa tríade, ele não foi vista por lá.

Quem também não viu o Fashion por lá foi Scott Shuman, fotógrafo do blog The Sartorialist. Muito esperado pelas cariocas para que o lifestyle carioca fosse eternizado em seu blog, Shuman preteriu-as pelo exótico. Deve ser porque o street fashion do Hemisfério Norte tem influenciado demais por aqui... até hoje estão usando por aí o lenço palestino... Any way, Mr. Shuman preferiu registrar pombos, quioques de Copacapana, capoeira, crianças na praia e modelos internacionais às cariocas cheias de bossa. Nesse sentido, penso que talvez o Fashion do Rio esteja mais para o exótico, como é de praxe, do que para a tríade "cool, despojado e informal".

Parece que existe bastante dificuldade em agregar valor para as marcas nacionais a partir de uma identidade brasileira, isso em razão da diversidade que tal identidade abriga. Isso parece natural, em função da vastidão do nosso território e das pessoas e culturas que nele vivem. Insisti-se no duelo Rio X São Paulo, enquanto a roupa que está sendo produzida aqui é qualidade pura criativa e tecnologica em seus valores simbólico e de uso.

Eu adoro o Rio, não sou marxista, e acho o campo da moda e sua indústria fascinantes, assim como o frisson produzido para agitar a vida de pequenos burgueses, ou não. Por exemplo, sou fã da Cantão (a mais carioca e super industrial das grifes...) e de sua direitora de estilo, Yamê Reis. Fico encantada com as criações de Isabela Capeto (todas elas) e de Ronaldo Fraga. Sobre este, sua última coleção inspirada no Rio São Francisco é incrível. Se o Rio é Fashion ou não, isso continua sendo um problemão para a indústria da moda. Mas o que a indústria têxtil, os conglomerados, as grifes, os estilistas, os pilotistas, os modelistas e as costureiras estão produzindo está lindo, do ponto de vista de criação e do potencial econômico que oferecem ao País. Se essas relações são justas ou não, e se há democracia na moda brasileira, são assuntos para um próximo post.
*Ilustração: Hannah Firmin